Conectando Pesquisa E Ação
Oficinas Participativas Em Sistemas Complexos Para A Saúde Urbana
Posted on
April 28, 2021
By: Lídia Maria de Oliveira Morais
SALURBAL Project, Brasil
Fazer a conexão entre pesquisa acadêmica, ativismo e gestão pública não é tarefa fácil. O método 'oficinas participativas sobre sistemas complexos' (em inglês Community Based System Dynamics ou CBSD) foi uma das ferramentas utilizadas pelo projeto SALURBAL para criar um espaço de encontro entre pessoas atuantes na gestão pública, ONGs, instituições de pesquisa e sociedade civil organizada, no intuito proporcionar um espaço de comunicação e criação de soluções possíveis nos temas de alimentação e transporte para a saúde urbana.
O Projeto SALURBAL e as oficinas
A pergunta que motiva o projeto SALURBAL é “O que torna as cidades mais saudáveis, justas e ambientalmente sustentáveis?”, e buscando novos elementos de resposta, foram organizadas em 2018 três oficinas com o método CBSD em diferentes cidades da América Latina com o intuito de identificar e relacionar as variáveis que compõem os sistemas alimentares e de transporte, seus fatores comuns e divergências entre países e cidades da região. (Para mais informações, SALURBAL já publicou um artigo com a descrição método dos workshops.)
Etapas da oficina participativa em sistemas complexos
Uma dessas oficinas aconteceu no Brasil, reunindo 24 profissionais com expertise nas áreas de transporte e alimentação ligados a diversos setores como universidades e centros de pesquisa, gestão pública, ONGs, movimentos sociais e instituições internacionais. Durante as oficinas as pessoas tiveram a oportunidade de identificar variáveis nos sistemas de alimentação e transporte e desenhar as relações percebidas entre essas variáveis, formando diagramas de laços causais. Esses diagramas permitem a visualização de processos que se reforçam e retroalimentam, às vezes de maneiras contra intuitivas, facilitando a identificação de possíveis pontos de intervenção para uma ação eficaz no sistema. Foram feitos mapas específicos para sistemas de alimentação e de transporte e para a relação entre os dois sistemas, culminando com um diagrama final coletivo para sistemas de alimentação e transporte, pensados no contexto da saúde urbana.
Diagrama final de laços causais para sistemas de transporte e alimentação em saúde urbana construído pelos participantes da oficina
O que acontece depois de uma oficina?
Outro objetivo da oficina foi contribuir para a reflexão dos participantes sobre os temas a partir de instrumentos que pudessem facilitar sua ação profissional. A abordagem dos sistemas complexos, foi apresentada como ferramenta para a análise de problemas aparentemente ‘complicados’ que vão as poucos se desembolando e organizando em sistemas ‘complexos’- como foi o caso aqui dos sistemas de alimentação e transporte em relação à saúde urbana. Para avaliar esse objetivo todas e todos os participantes foram convidados para uma entrevista na qual puderam relatar o que ficou marcado como experiência desde a oficina de sistemas complexos proposta pelo SALURBAL.
As entrevistas aconteceram um ano depois da oficina, com 18 dos 24 participantes, de maneira a focar no que, mesmo depois desse tempo, ficara marcado na memória. As pessoas foram questionadas sobre o que pôde ou não ser aproveitado nas práticas profissionais; sobre o que aquela experiência influenciou em suas reflexões e ações posteriores; e sobre como a sua participação na oficina contribuiu ou não no seu entendimento da questão da saúde urbana e sua relação com os sistemas de transporte e alimentação.
O relato das pessoas apontou que participar da oficina facilitou a compreensão das interconexões entre os sistemas, além de propiciar engajamento entre as/os participantes e a construção de uma linguagem compartilhada sobre os temas, facilitando a comunicação e assim contribuindo para a promoção de ações mais eficazes, seja na academia, no setor público ou em ações da sociedade civil.
“Eu acho que a oficina fez algo que deveria sempre ter, né, que é essa integração de públicos completamente distintos, que pensam políticas completamente distintas e como elas interagem, então isso, até onde eu acompanhei na trajetória, foi uma total inovação da oficina, em linkar um grupo que discute política de mobilidade urbana com um grupo que discute alimentação saudável. No início foi até difícil a gente descobrir qual era a conexão, depois a gente achou várias.”
- Participante da oficina vinculado ao setor público no campo da alimentação
A aproximação com a perspectiva dos sistemas complexos e com o método CBSD também foi um ponto forte da oficina, de acordo com as entrevistas. Os relatos apontaram o interesse tanto acadêmico como prático em ferramentas que auxiliem a abordagem de problemas aparentemente grandes ou complicados demais, como são os sistemas urbanos e dentro dele a saúde, o transporte e a alimentação. Esse processo não é, obviamente, isento de conflitos. Ao contrário, os conflitos emergem rapidamente durante as atividades em que as e os participantes devem nomear e descrever as relações entre as variáveis dentro de seus modelos – o que se mostra um campo fértil para o surgimento de ideias inovadoras e conexões surpreendentes.
“Eu descobri uma metodologia que tem uma capacidade muito grande de fazer emergir conflitos, mesmo em um grupo que não era muito conflituoso digamos organicamente conflituoso. Mas quando você desceu ao detalhe relacional dos elementos que estavam aparecendo na matriz, começaram a parecer evidentmente conflitos. O que foi bom (...) eu tenho trabalhado com alguns desses métodos [participativos] e aquele eu não conhecia.”
- Participante da oficina vinculado à pesquisa acadêmica no campo do transporte
Uma ferramenta promissora
A oficina orientada pelo método CBSD apresentou dois principais pontos positivos.
- Subsidiou o projeto SALURBAL com informações riquíssimas para o melhor entendimento dos mecanismos através dos quais variáveis de transporte e alimentação afetam a saúde e as iniquidades em saúde nos ambientes urbanos na América Latina;
- Se mostrou um método promissor e com interesse prático para a conexão entre pesquisa acadêmica, gestão pública e sociedade civil.
Se quiser saber mais, acesse o artigo completo aqui. O método utilizado pelo SALURBAL em suas oficinas também está descrito aqui.