Inundações atingem com mais intensidade as vizinhanças mais desfavorecidas: nova pesquisa sobre saúde urbana na América Latina destaca profundas iniquidades
PHILADELPHIA, PA,
February 11, 2025
Um artigo do projeto SALURBAL-Clima, publicado recentemente na Nature Cities, destaca grandes iniquidades na exposição a inundações em 276 cidades de oito países da América Latina. A pesquisa, liderada por Josiah Kephart, PhD, MPH, professor assistente no Drexel University Urban Health Collaborative, e por uma equipe de pesquisadores da América Latina, é a primeira do tipo a examinar os determinantes sociais da exposição a inundações em nível de vizinhança na região. Os resultados revelam que os residentes de vizinhanças com os menores níveis de escolaridade sofreram, em média, quatro vezes (4,3) mais inundações do que aqueles que vivem em vizinhanças com maior nível educacional.
- Dos 228,3 milhões de residentes incluídos no estudo, 38,1 milhões (17%) viviam em vizinhanças que sofreram inundações pelo menos uma vez entre 2000 e 2018.
- Em oito de cada dez (80%) das 276 cidades analisadas, as vizinhanças com menor escolaridade apresentavam maior probabilidade de sofrer inundações do que aquelas com maior escolaridade. Essas diferenças foram mais acentuadas nas cidades menores.
- Um em cada quatro residentes das vizinhanças de menor escolaridade esteve exposto a inundações, em comparação com um em cada 20 residentes das vizinhanças com maior escolaridade.

Vista aérea do centro da cidade inundado após a evacuação de moradores de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em 5 de maio de 2024. Foto: Ricardo Stuckert / PR CC BY-SA 2.01
11 de fevereiro de 2025 - FILADÉLFIA, PA: Um planeta mais quente está impulsionando eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos, incluindo inundações. O aumento do nível do mar, o derretimento acelerado da neve e chuvas intensas têm causado um aumento alarmante das inundações relacionadas ao clima. Entre 2000 e 2015, a população global afetada por inundações cresceu entre 58 e 86 milhões de pessoas, tornando as inundações o desastre climático mais frequente da atualidade. Na América Latina, 80% da população vive em áreas urbanas altamente desiguais, onde a infraestrutura inadequada frequentemente representa um risco adicional de inundações.
Pesquisadores do Projeto Mudanças Climáticas e Saúde Urbana na América Latina (SALURBAL-Clima) revisaram quase 20 anos de dados, de 2000 a 2018, examinando inundações em 45.000 vizinhanças de 276 cidades na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, México e Panamá. Essas cidades abrigam 228 milhões de residentes. No total, 117 inundações foram incluídas no estudo (inundações em grande escala costumam afetar várias cidades ao mesmo tempo), que utilizou dados diários de inundações do Global Flood Database, além de características sociais, ambientais e de saúde compiladas e harmonizadas pelo Projeto SALURBAL. Os autores analisaram as associações entre características em nível de cidade e vizinhança com a ocorrência de inundações, examinando, especificamente, diferenças na escolaridade das vizinhanças, densidade populacional e cobertura vegetal.
Nas cidades incluídas no estudo, mais de 38 milhões de pessoas (quase 17%) viviam em vizinhanças que sofreram inundações pelo menos uma vez entre 2000 e 2018. Ao comparar todas as vizinhanças analisadas, os residentes das áreas com os menores níveis de escolaridade tinham, em média, uma probabilidade 4,3 vezes maior de viver em regiões previamente inundadas, em comparação com aqueles das vizinhanças com maior escolaridade. Entre as 44.698 vizinhanças estudadas, 24,0% das vizinhanças com menor nível de escolaridade estavam localizadas em áreas inundadas, enquanto apenas 5,6% das vizinhanças com maior escolaridade estavam situadas em regiões afetadas por inundações.

Fig. 2: Porcentagem do total de residentes que sofreram inundações em seus bairros.
Houve algumas diferenças no tamanho das iniquidades na exposição a inundações entre as cidades. Das 276 cidades analisadas, oito em cada dez (80%) demonstraram iniquidades na exposição a inundações dentro da cidade com base no nível de escolaridade das vizinhanças. Esse padrão foi consistente em todos os países da região, embora as cidades mexicanas fossem as mais propensas a demonstrar essa disparidade (86,4% das cidades mexicanas).
“Esses achados servem como uma forte confirmação de que populações mais pobres estão vivendo em áreas que são muitas vezes mais vulneráveis a inundações e outros riscos relacionados ao clima”, diz o autor principal Josiah Kephart, PhD, professor assistente da Dornsife School of Public Health da Drexel University. “Embora este estudo não nos diga se as inundações tornam as vizinhanças em piores condições, ou se as pessoas que têm menos recursos acabam em vizinhanças propensas a inundações, a mensagem é clara: os formuladores de políticas devem dar atenção cuidadosa às vizinhanças mais pobres, que podem, ao mesmo tempo, estar em maior risco de inundações e ter menor infraestrutura para lidar com seus efeitos.”
A pesquisa identificou outras características das vizinhanças mais propensas a inundações: em toda a região, as vizinhanças que haviam sofrido inundações tendiam a ser menos densas, mais verdes, costeiras e periféricas aos centros urbanos.“Esses resultados destacam mais uma vez o grande e desigual impacto das mudanças climáticas nas grandes e crescentes áreas de países de baixa e média renda, e a necessidade de ação urgente,” diz Ana V Diez Roux, uma das investigadoras principais do projeto SALURBAL-Clima e autora sênior do estudo.
O estudo documenta claramente grandes iniquidades na exposição a inundações nas cidades latino-americanas, que refletem de perto as disparidades sociais. Esses achados destacam a importância de priorizar as necessidades e perspectivas das comunidades socialmente marginalizadas no gerenciamento de riscos ambientais e nas políticas de adaptação às mudanças climáticas.
"Embora o estudo não tenha sido projetado para nos dizer o motivo dessas disparidades, as vizinhanças que sofreram com as inundações provavelmente eram as mais desvalorizadas, com preços de imóveis mais baixos, e, portanto, disponíveis para populações de baixa renda", diz Nelson da Cruz Gouveia, co-investigador do SALURBAL-Clima, professor titular da Universidade de São Paulo e coautor do estudo. "A urbanização rápida e desordenada, comum nas cidades latino-americanas, muitas vezes resulta na ocupação de áreas urbanas inadequadas, com infraestrutura precária ou totalmente ausente e, consequentemente, com menor valor no mercado imobiliário."
As políticas de adaptação exigirão uma mudança não apenas nas decisões e processos de formulação de políticas das autoridades urbanas, mas também na alocação de orçamentos municipais e nacionais. Uma transição de respostas emergenciais reativas para medidas proativas de mitigação e adaptação pode ajudar a prevenir não apenas os impactos econômicos das inundações, mas também os efeitos adversos à saúde, deslocamento e perdas humanas.
Leia o estudo completo: https://www.nature.com/articles/s44284-025-00203-3
Esta pesquisa foi apoiada pelo Wellcome Trust 227810/Z/23/Z, AVDR/OLS.
Contato: Carolina Rendón - cr3283@drexel.edu
Mudança Cimática e Saúde Urbana na América Latina (“SALURBAL-Climate”) é um projeto de cinco anos (2023-2028) que aborda a necessidade crítica de evidências que relacionem os efeitos da mudança climática e os impactos na saúde urbana em toda a América Latina.
1 Esta imagem foi postada originalmente no Flickr por Lula Oficial em https://flickr.com/photos/157736962@N05/53700500641. Ela foi analisada em 8 de maio de 2024 pelo FlickreviewR 2 e confirmada como licenciada sob os termos da cc-by-sa-2.0.
2 Tellman, B. et al. Satellite imaging reveals increased proportion of population exposed to floods. Nature 596, 80-86 (2021). https://doi.org:10.1038/s41586-021-03695-w