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Aumento das temperaturas, aumento dos riscos de mortes no trânsito nas cidades latino-americanas

Mexico road mortality

PHILADELPHIA, PA, October 6, 2025

Tempo de leitura: 5 min

Em toda a América Latina, as altas temperaturas estão associadas a um aumento nas mortes no trânsito. Um estudo recente do Projeto Saúde Urbana na América Latina (SALURBAL) analisou dados de temperatura e de mortalidade no trânsito em 272 cidades de seis países latino-americanos — Brasil, México, Chile, El Salvador, Panamá e Costa Rica — entre 2000 e 2019, proporcionando percepções importantes sobre equidade e vulnerabilidade, à medida que as cidades de toda a região enfrentam um clima cada vez mais quente, somado aos desafios da alta urbanização e da crescente motorização.

Os autores identificaram que as mortes no trânsito aumentam conforme as temperaturas sobem, sendo o risco especialmente elevado em dias de calor extremo. Publicado na Nature Cities, o estudo foi liderado por Cheng-Kai Hsu, pesquisador de pós-doutorado no Institute of Transportation Studies da University of California, Berkeley, e membro do SALURBAL. Entre os coautores estão pesquisadores da Drexel University, do Instituto Nacional de Saúde Pública do México, da Universidade Nacional de Lanús, na Argentina, da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade de São Paulo, no Brasil.

  • Os riscos aumentados devido às altas temperaturas são especialmente acentuados entre jovens (até 19 anos), homens e usuários de motocicletas e bicicletas.
  • Pessoas que vivem em cidades mais quentes, ou que enfrentam deslocamentos mais longos e ruas mais extensas, estão ainda mais expostas.
  • Esse risco é frequentemente maior para residentes de baixa renda, que dependem com mais frequência da caminhada, da bicicleta ou de transportes abertos, que oferecem pouca proteção contra o calor.
  • Espera-se que as mortes no trânsito relacionadas ao calor aumentem, especialmente nas cidades mais quentes da região.
    Esses achados têm implicações importantes para políticas públicas, podendo orientar ações de proteção para usuários vulneráveis, especialmente moradores das periferias urbanas que enfrentam longos deslocamentos expostos ao calor em transportes informais e com alternativas limitadas.

Extended Data Fig. 1 Annual median temperature and road traffic mortality rate by city.

Figura 1: Temperatura média anual e taxa de mortalidade no trânsito por cidade.

Globalmente, estima-se que lesões no trânsito sejam responsáveis por cerca de 1,25 milhão de mortes a cada ano. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), as lesões no trânsito causaram quase 150.000 mortes apenas nas Américas em 2010. Embora se saiba que as altas temperaturas contribuem para a mortalidade e para as lesões no trânsito, este estudo foi o primeiro a explorar o impacto do calor no risco de mortes no trânsito em múltiplas cidades da América Latina.

Nas cidades incluídas neste estudo, o risco de morte no trânsito foi 1,16 vez maior em dias muito quentes e 1,18 vez maior em dias extremamente quentes, em comparação com o risco em dias com a temperatura ideal para dirigir com segurança. Como as cidades estudadas são altamente heterogêneas, os pesquisadores analisaram a temperatura em uma escala relativa. Esse método permitiu identificar a "temperatura ótima" — o ponto em que o risco de morte no trânsito é mais baixo para o conjunto de cidades analisadas.

O aumento do risco foi mais pronunciado para motociclistas e ciclistas, em cidades com climas geralmente quentes e onde as pessoas enfrentam deslocamentos particularmente longos. Os pesquisadores estimam que o calor extremo foi responsável por 0,74% de todas as mortes no trânsito na região entre 2000 e 2019. Para os motociclistas, esse número foi ainda maior, chegando a 1,17%.

Como o primeiro estudo a analisar o impacto da temperatura nas mortes no trânsito em várias cidades da região, este trabalho fornece fortes evidências de que a alta temperatura ambiente aumenta significativamente o risco de mortes no trânsito. A pesquisa também oferece novas percepções sobre como esse risco afeta diferentes grupos de pessoas, usuários de distintos modos de transporte e cidades com características únicas de clima e planejamento urbano. Ao contrário dos efeitos do calor sobre a saúde, que frequentemente agravam as condições preexistentes, o calor está associado a mortes no trânsito, impactando indivíduos que, de outra forma, seriam saudáveis.

Motorcycle drivers Esses riscos não são distribuídos igualmente.
Residentes que dependem de motocicletas, bicicletas ou caminhadas para se locomover enfrentam uma exposição muito maior a altas temperaturas.

Por exemplo, motociclistas da economia de plataformas (como Rappi e Uber Moto) frequentemente vêm de famílias de baixa renda e estão diretamente expostos ao calor extremo enquanto trabalham. Esses riscos podem se acumular, pois a demanda por entregas dispara durante ondas de calor, o que também está relacionado a comportamentos de direção mais arriscados. Esses trabalhadores frequentemente têm poucas alternativas e podem não conseguir alterar seus horários de deslocamento, trocar de meio de transporte ou recusar trabalho sem penalidades, mesmo em dias extremamente quentes.

“Nossos resultados destacam a necessidade urgente de estudar as interseções entre clima e transporte em contextos diversos, de rápida urbanização e motorização”, afirma Cheng-Kai Hsu, autor principal e pesquisador de pós-doutorado na UC Berkeley. “Para os formuladores de políticas, os resultados ressaltam a importância de adaptar as estratégias de segurança viária e os sistemas de transporte para proteger as populações vulneráveis à medida que as cidades ficam mais quentes.”

Por que isso acontece e o que podemos fazer para enfrentar o problema?

A relação entre calor e mortalidade no trânsito pode ser explicada por vários fatores: os motoristas podem ficar distraídos, fatigados ou apresentar tempos de reação mais lentos devido ao calor. O clima quente também pode levar a comportamentos de direção mais agressivos ou impacientes, como excesso de velocidade. Esses fatores podem se somar aos efeitos de outras condições em dias quentes, como o aumento do tráfego, maior risco de falhas veiculares, pavimentos mais amolecidos e tempos de resposta de emergência mais lentos.


“As cidades devem adotar diligentemente uma abordagem de sistema seguro para a segurança viária, que seja tolerante com erros humanos e comportamentos individuais. A abordagem de sistema seguro foca em estradas mais seguras, veículos mais seguros, usuários das vias mais seguros e cuidados pós-acidente eficazes”, afirma Carolina Pérez Ferrer, pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde Pública do México e coautora do estudo. “A necessidade de tal abordagem é especialmente crítica à luz dessas novas descobertas que mostram que o aumento das temperaturas está associado a maior mortalidade no trânsito, tornando ainda mais importante criar ambientes que protejam os usuários vulneráveis das vias em um clima cada vez mais quente.”


Medidas proativas podem reduzir a exposição ao calor entre os usuários das vias. Intervenções práticas, como a instalação de áreas de espera e de descanso sombreadas ao longo de corredores de alto tráfego e o incentivo a veículos ventilados ou com refletividade térmica, podem oferecer alívio imediato. A formalização dos setores de transporte informal, incluindo serviços de mototáxi, também representa uma oportunidade para melhorar os padrões de segurança ocupacional e ampliar as proteções sociais. Além disso, será necessário adaptar-se ao aumento das temperaturas projetando estradas e veículos mais seguros, que sejam tolerantes a erros humanos e protejam vidas. Isso inclui infraestrutura e regulamentação para limites de velocidade seguros, uso de dispositivos de segurança pessoal e rigorosa fiscalização das leis de trânsito. À medida que o clima continua a aquecer, integrar estratégias de mitigação e adaptação ao calor nos sistemas de transporte é essencial para salvar vidas.


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Este projeto foi apoiado pela iniciativa Our Planet, Our Health da Wellcome Trust (financiamento nº 205177/Z/16/Z). Os autores também agradecem o apoio parcial do NIH P20MD019221.

Contato: Carolina Rendón, Especialista em comunicações - cr3283@drexel.edu