Desigualdade e segregação de renda no Brasil: uma análise nacional
Brasil,
October 5, 2022
Em trabalho publicado recentemente, pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (CIDACS, Fiocruz-BA), da Universidade Federal de Minas Gerais (Observatório de Saúde Urbana, OSUBH) e da Drexel University (Dornsife School of Public Health) investigaram a relação entre a segregação de renda e a desigualdade socioeconômica nas grandes cidades brasileiras.
O título do artigo é “Inequality and income segregation in Brazilian cities: a nationwide analysis” e foi publicado na revista ‘SN Social Sciences’ da editora ‘Springer Nature’. De acordo com os autores, a segregação pode ser conceituada enquanto o distanciamento físico social ou cultural de grupos minoritários em relação a um grupo majoritário. Ou ainda, a falta de interação sociocultural entre as populações residentes em uma cidade. Compreender a segregação de renda no Brasil é essencial, tendo em vista as consequências econômicas e sociais negativas para as famílias em áreas urbanas mais vulneráveis. Notadamente, grupos de baixa renda que vivem em cidades mais segregadas têm menos oportunidades educacionais, menos acesso à mobilidade e salários mais baixos do que seus pares que vivem em áreas mais integradas, resultando em grave desvantagem econômica.
Além disso, o rápido crescimento das cidades brasileiras trouxe grandes desafios em termos de criação de políticas públicas habitacionais que amenizassem os efeitos da urbanização. Atualmente, cerca de 85% da população brasileira vive em áreas urbanas. Nas 152 cidades, ou aglomerações urbanas que o estudo analisou, vivem cerca de 121 milhões de pessoas ou, aproximadamente, 63% da população brasileira.
A partir disso, os autores utilizaram o índice de dissimilaridade para examinar a associação entre a segregação de renda e a desigualdade como principais fatores da ausência de equidade e desenvolvimento social nos grandes centros urbanos brasileiros. O índice de dissimilaridade permite uma visão espacial da população que precisaria ser “deslocada” dentro de uma cidade para torná-la homogênea em termos de distribuição de renda. É uma medida de segregação média que indica a distância entre os mais pobres e a renda média da cidade. O índice de dissimilaridade foi criado em 1955 e continua até os dias atuais sendo um dos indicadores mais utilizados para mensurar os diversos campos multidisciplinares da segregação.
Ferramentas estatísticas importantes foram criadas para validar a utilização do indicador, assim como, avanços teóricos na discussão de pontos fortes e fracos do índice. Nesse sentido, o primeiro passo foi avaliar se o indicador é uma boa medida a ser utilizada para mensurar a segregação no Brasil, dada a alta desigualdade socioeconômica regional que temos entre as cidades. Assim, avaliou-se a possibilidade de viés para o índice e constatou-se que para o caso das cidades brasileiras, onde há certa homogeneidade entre o número de famílias contidas em cada setor censitário, não temos problemas relacionados ao viés. Uma preocupação relevante que poderia causar interpretações imprecisas da segregação nas cidades estudadas.
Em uma segunda análise, os autores afirmam que a população que tinha renda de até 2 salários mínimos em 2010 poderia ser considerada um grupo minoritário de baixa renda. Esse recorte socioeconômico representou 33.8% das famílias que viviam nas cidades do estudo. Portanto, seria mais adequado para analisar associações entre o índice de dissimilaridade e outras variáveis socioeconômicas. Ainda, uma abordagem descritiva mostrou que existe uma alta correlação entre o índice de dissimilaridade para esse nível de renda e o índice de Gini (usado como proxy para desigualdade), a taxa de pobreza e a taxa de desemprego. No que se refere a padrões socioeconômicos regionais, as cidades localizadas nas regiões Norte e Nordeste do país foram as mais segregadas. Das 10 cidades mais segregadas no Brasil, 9 estão na região Nordeste e apenas uma (Brasília) é localizada na região Centro-Oeste. Já as cidades mais desiguais estão nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.
Finalmente, a segregação foi fortemente associada à desigualdade e a pobreza. Considerando que a análise é sobre as aglomerações urbanas mais significativas do Brasil, é fundamental destacar que o estudo contribui para a perspectiva de espaços urbanos caracterizados como socialmente segregados e de alta concentração espacial, envolvendo desigualdade e pobreza urbana. As vantagens da urbanização foram discutidas em muitos fóruns internacionais. No entanto, as disparidades sociais, a falta de equidade na distribuição de renda e os possíveis benefícios da urbanização ainda parecem distantes da realidade da população de baixa renda que vive nas grandes cidades brasileiras. Além disso, apesar dos avanços recentes, o combate à pobreza é um evidente desafio para as políticas públicas, dada a dificuldade dos governos em manter uma política de renda mínima capaz de quebrar os processos de reprodução social da pobreza.